Uma ponte para minha ansiedade

Jay Hirota
5 min readAug 19, 2019

É madrugada e vou acordar cedo, mas bateu inspiração. Sinto as palavras se rebelando dentro de mim para serem libertas e a gente sempre tem que atender aos caprichos da musa. Então vou simplesmente tentar escrever um desabafo aleatório.

Até porque se eu deitar para tentar dormir já sei como será: insônia. Minutos se acumularão e formarão dezenas até se transformarem em uma hora, duas ou mais apenas deitado na cama, pensando, respirando, girando, tentando não pensar e dormir e falhando. De tempo em tempo desistindo de não pensar e permitindo o fluxo de pensamentos rolar, achando que isso me levará ao sono. Não leva, aí volto a tentar parar. Mesmo agora escrevendo isso, uma voz dentro de mim me manda parar e ir deitar logo, “quanto mais cedo você deitar mais cedo acabará o ritual da insônia e conseguirá dormir”. Costumo dar ouvido a essa voz e tentar dormir, mas hoje vou tentar ouvir à outra voz, a da inspiração.

Sempre adorei palavras e brincar de combiná-las e recombinar até encontrar as melhores frases e construir assim pontes indo em direção à escuridão tentando alcançar alguém ou talvez trazê-la para perto. Tenho a teoria que ao escrever eu me forço a perseguir meus pensamentos, captura-los e enviá-los pela ponte de palavras.

Todos somos veículos carregando ideias, pensamentos e sensações. Informações. Informações que moldam as estruturas mentais que usamos para processar o mundo e instruir as decisões que tomamos ao navegar pela vida.

Tenho pensado sobre informação. Assim como os genes são a menor unidade para a genética, o meme é para a memória. Não no sentido de meme de internet, mas na nomenclatura cientifica de Richard Dawkins. Normalmente eu reescreveria diversas vezes essa parte, tentando ser didático sobre Dawkins e memes, apresentando conceitos e discussões, tentando não ser maçante. É o meu estilo de escrever, mas nesse momento, estou lutando contra esse impulso em nome de imprimir outro estilo. Mais informal, desconexo, sincero, como um rapper rimando em improviso.

Estaria eu me esforçando para não ser eu mesmo? O eu de verdade é quem eu costumo ser ou quem eu quero ser e estou tentando? Acho que nem é válido em falar de verdadeiro eu ou não, são todos eu. Eu do passado, quem eu quero ser no futuro, quem eu sou agora.

Seja como for, continuando.

Biologicamente falando, todo animal tem como objetivo passar seus genes para gerações futuras, que além de seu aspecto material carrega também informações. Nós humanos não fugimos a essa regra, mas evoluímos a um ponto que existimos em uma dimensão extra, na qual informações podem e são compartilhadas de outras formas além dos genes. Comunicação e linguagem. É o aspecto social que criamos com a cultura. Nessa dimensão extra, somos todos catalisadores de ideias. Componentes em um grande sistema mundial, recebendo como input uma série de informações que processamos e emitimos como output diferentes informações. Adicionando, difundindo, transformando.

Eu admiro o conhecimento e gosto de estudar. Toda ramo do conhecimento é de certa forma História, mas sob uma perspectiva diferente. Ao contar a história do mundo olhando pelos filmes tem-se Cinema, mas se você analisar a história do mundo olhando a produção do conhecimento sobre a psique humana tem-se a Psicologia. As ciências são infinitas maneiras diferentes de olhar para o mesmo passado.

“Eu acho que assim, o que é do passado tem que ficar no passado”. Me desculpa se concordou com essa frase, mas eu a odeio. Geralmente vem de quem não aprendeu a lidar com o próprio passado e prefere evitar a mera vocalização dos acontecimentos que lhe trazem desconforto demais. Deve ser triste não pode revisitar seu passado. É tudo o que somos. Somos a soma de tudo o que nos aconteceu, vivemos, pensamos e sentimos, nossa memória. O agora nada mais é do que um processo de transformar o futuro em mais passado. Entender o passado é entendermos nós mesmos. Estudar o passado é fazer projeções do futuro para que possamos antecipar como será antes que seja e aí ter tempo de fazer algo para que ele seja diferente. Controle.

Photo by Anita Jankovic on Unsplash

Talvez eu goste tanto de estudar porque quero controlar meu incontrolável futuro. “Sou o capitão da minha alma”. É por isso que a meditação mindfulness salvou minha vida. Parar, fazer nada, sentir o agora. Trabalhando, processando, cristalizando o futuro em passado. Produzindo passado. Passificação. Pacificação. Paz. Eu também aprecio muito estudar desenvolvimento pessoal, uma pena que coachs se apropriaram desses conhecimentos e o banalizaram. Capitalismo, meritocracia, extração de valores monetários, esvaziamento de valores humanos. Outro processo conhecido.

Minha mãe me ensinou que viver no passado é depressão e no futuro é ansiedade. É por isso que eu sinto tanta paz quando medito. Nesses momentos estou no agora e não sinto minha depressão induzida pela ansiedade. Meditando e escrevendo. Mas sabe, ansiedade não é só se preocupar com o futuro, porque o oposto, não se preocupar com o futuro, é uma péssima de estratégia de sobrevivência, seja nos tempos atuais ou antigos. O problema é se preocupar demais e antecipar seus efeitos deletérios e assim sofrer duas vezes.

Às vezes minha mente cai num loop infinito de antecipar um futuro ruim, no qual sofro mil vezes com algo que nem aconteceu ainda. E talvez nem venha a acontecer, e se acontecesse, sofreria só uma vez. É exaustivo.

Eu nunca vou agradecer a minha síndrome de pânico. Eu não sou o que sou por causa dela e nem apesar dela. Eu sou o que sou incluindo ela. Sou muito mais do que minha doença mental. Mas posso dizer que sim, ela me ensinou muita coisa. A ansiedade e eu travamos um infinito torneio de partidas de xadrez. A cada derrota ou vitória eu sigo praticando e aprendendo como ganhar com mais frequência. Aprendo, desenvolvo. Ela força meus limites, equipa melhor meus aparatos mentais, as estruturas que falei no começo.

Ansiedade, o mal do século. A nova praga.

Me incomoda a ansiedade ser vista como fraqueza. O Eduardo do MasterChef está entre os cinco melhores, assim como todos os outros, mas ainda duvidam dele, só porque sofre de ansiedade. Ficam esperando ele quebrar e surtar, ao invés de entender que ele está na competição inteira competindo contra todos e contra a própria mente e constantemente ganhando. Ainda duvidam. Não quero romantizar a ansiedade e colocá-la como fortaleza, mas quero questionar o seu status de fraqueza. É necessário observar de forma mais ampla, por outra perspectiva e não reduzir a pessoa à sua ansiedade. Há outros fatores. Muitos outros. Assim como eu, ele é mais que sua ansiedade.

É claro que estou a defender Eduardo para me defender. Você não é fraco, eu não sou fraco. Somos ansiosos e devemos lutar contra, mas hey, todos temos nossos demônios. É essa informação que queria passar para frente hoje, enviando pela minha ponte e adicionar ao nosso sistema. Agora sim vou conseguir dormir. Boa noite.

P.S.: Eu dormi muito bem depois de escrever esse texto.

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Jay Hirota

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