Decisões coletivas texto 1: Lições de formigas

Jay Hirota
7 min readJul 3, 2023

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Como elas tomam decisões

Como militante muito me interessa concepção de organização e métodos de tomada de decisões e trabalho em coletivo. Decidi pesquisar alguns artigos científicos e farei alguns resumos. Os meus preferidos tem sido os que estudam o comportamento de animais não-humanos. Por exemplo, no artigo “Speed versus accuracy in collective decision making”[1] cientistas observaram formigas da espécie Leptothorax albipennis escolhendo um novo local para mudar seu formigueiro em condições adversas para saber se elas sacrificavam precisão, escolhendo um local pior, por causa da pressa.

Senta aí que vou te ensinar como se faz a revolução

A decisão sobre a mudança do formigueiro é altamente descentralizada: cada formiga na colônia desempenha papéis diferentes, há colhedoras de alimentos, outras construtoras e algumas (no feminino, porque são de fato fêmeas, machos só são usados para reprodução) são batedoras, cuja função é mapear os arredores e guiar as demais para os pontos de interesse, seja fonte de alimento, material de construção ou um novo local para instalar o formigueiro.

As batedoras exploram individualmente se espalhando em todas as direções tentando se manter mais ou menos em linha reta. Ao encontrar uma colega de colônia elas se trocam uma ideia e depois vai cada uma para um lado para se espalharem e cobrirem uma área maior [2], garantindo eficiência e evitando redundâncias. Quando uma formiga encontra um possível ninho faz uma avaliação da qualidade, coisa como luminosidade (elas preferem escuro), tamanho, acidez, umidade, grossura das paredes e sabe-se lá o que mais elas levam em consideração. O comportamento da formiga vai depender da nota que ela der para o novo local:

  • Nota 1: Anotado, mas não aprovado. Voltará a fazer o que tava fazendo antes.
  • Nota 2: Até gosta, mas precisa de uma segunda opinião.
  • Nota 3: Adora e decide que todo mundo vai se mudar para lá, já.

Essas notas e descrições são coisa minha, mas é mais ou menos isso que esse artigo descreve [3]. Ao dar nota 2 a batedora adotará o comportamento que os pesquisadores chamam de tandem run e não sei bem como traduzir, vou chamar de Liderar uma corridinha.

Liderar uma corridinha significa procurar uma colega de formigueiro e recrutá-la, guiando-a até o novo possível ninho, andando bem devagar, mantendo contato físico com as antenas e marcando com o cheiro, ensinando pontos de referências.

Vanguarda que chama, né?

Caso alguma formiga dê nota 3 o comportamento é de Carregada, no qual ela está comprometida com o local e inicia a mudança. A formiga literalmente ergue a amiguinha com as presas e arrasta até a nova colônia, num processo de recrutamento 3 vezes mais rápido do que Liderando corridinhas.

Em ambos os casos quando a nova formiga chega ao novo possível local, de livre espontânea vontade ou pressão, ela faz a sua própria avaliação e age de acordo com a nota que ela atribuir e aqui dois detalhes muito importantes: i) elas respeitam um quórum e quanto mais formigas já avaliarem bem o local, maior a chance dela avaliar positivamente, seja dando nota 2 ou 3 ou até mudando de dar dado um 2 inicialmente para 3. ii) quanto maior for a necessidade de efetuar a mudança menos exigente fica o critério de cada formiga de forma que as Leptothorax albipennis conseguem modular seu processo de tomada de decisão para dar mais celeridade, mesmo que sacrificando precisão, em nome de condições adversas como vendavais ou predadores naturais.

Inclusive, a pesquisa dá a entender que o comportamento equivalente à nota 2 é um mecanismo para propositalmente atrasar a decisão para garantir maior precisão. Considerando que numa situação em que não há nenhuma condição adversa e a mudança do local do formigueiro é mais uma questão de oportunidade, elas requerem um quórum maior e precisam da opinião de várias colegas e todas elas estão cientes que há outras dezenas ou centenas de formigas percorrendo os arredores e também tem chance de encontrar um local melhor.

Imagine que dois possíveis novos endereços para o formigueiro são encontrados simultaneamente por batedoras diferentes, porém um deles, digamos local B, é de maior qualidade que o local A. Isso significa que enquanto mais formigas hesitam (no passo nota 2) sobre o local A, algumas poucas, ou até uma só, já se apaixona pelo local B e começa a mudança. A Carregada é três vezes mais rápido, então enquanto uma formiga leva outra para avaliar o local A, uma formiga leva três para o local B e a chance de uma ou mais dessas três tornar-se recrutadoras é mais alta. Esse efeito multiplicador faz com que locais mais adequados para formigueiros sejam escolhidos e a mudança iniciada muito mais rápido e ainda aumenta as chances das formigas avaliando o local A serem carregadas ou lideradas na corridinha para o local B e também descobrir que lá é melhor.

um mecanismo para garantir coesão, evitar que a colônia se separe e forme dois formigueiros e aumentar as chances da melhor opção ser escolhida e tudo isso baseada na avaliação autônoma e individual de fumigas.

E tudo isso sem um comando centralizado, há apenas diversos indivíduos agindo com informações locais, mas a partir de uma matriz normativa que modula a sua deliberação individual para levar em consideração uma coletividade de forma a não suprimir a individualidade, fortalecer o coletivo, garantir coesão (diminui chances do formigueiro se dividir) e ainda tem um mecanismo de corrigir erros e aumentar a precisão da escolha coletiva.

Tudo isso eu almejo para um coletivo socialista no século XXI.

Limitações e aplicações

Outros dois exemplos de decisões individuais que são ao mesmo tempo coletivas por parte das Leptothorax albipennis é que a rainha é a única que fertiliza os ovos e escolhe quais gerarão machos e quais darão origem à femêas. Sendo os machos apenas reprodutores e as fêmeas as operárias que se dividem para desemepnhar os diferentes papéis que o formigueiro necessita para funcionar. Toda formiga é igualmente capaz de desempenhar qualquer das tarefas, de forma que a divisão é apenas uma questão de foco e distribuição, uma questão de equilíbrio: a colônica precisa de um certo número de batedoras, colhedoras, construtoras e sinceramente não sei se tem outras funções, talvez soldadas. A forma como cada formiga assume um papel é também descentralizado: elas escolhem um papel, passa a desempenhar suas funções e constantemente se comunica com as formigas que encontra e ao identificar quais papéis elas estão desempenhando elas podem notar que estão encontrando muitas colhedouras como ela e quase nenhuma batedora, sinal de que tá faltando e ela muda de posição[4].

A elegância das formigas e outros insetos sociais, como abelhas e cupins, em seguir um conjunto normativo que guia suas decisões individuais e formam um todo tão coeso que Darwin teve dificuldade de encaixar esses insetos em sua sua teoria já que ela parte de um pressuposto de cada animal agindo para aumentar a própria chance de sobrevivência e reprodução. A solução de Darwin foi considerar formigueiros, cupinzeiros e colmeias como um único animal e aí sim o comportamento delas faz sentido.

Não existe oposição entre individual e coletivo, ambos possuem existência material, mas enquanto o individuo ser humano possui existência concreta, com um corpo físico, palpável e delimitado, o coletivo possui existência material, porém abstrata, emergindo a partir das interações entre suas partes, cujo resultado, o efeito perante o mundo, possui propriedades diferentes da soma de suas partes. Coletivo existe enquanto verbo ao invés de substantivo.

Se bem organizado o resultado desse ente coletivo que emerge, vide o fenômeno da emergência, pode ser mais inteligente que seus integrantes, mas pode ser mais burro também (neoliberalismo taí para provar, pergunta para a camada de ozônio).

Outros artigos

Homo Sapiens não podem agir e tomar decisões como as formigas, abelhas ou cupins e nem devem, mas podemos aprender o valor de interiorizar na nossa deliberação individual a existência, relação e efeito da coletividade e também o valor do compartilhamento de informações. Esses são dois pilares essenciais para as Leptothorax albipennis e abordarei um deles no próximo texto, mas aplicado com humanos! Algo chamado “Centro cognitivo” de um grupo.

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Referências:

  1. Franks, N. R., Dornhaus, A., Fitzsimmons, J. P., & Stevens, M. (2003). Speed versus accuracy in collective decision making. Proceedings of the Royal Society of London. Series B: Biological Sciences, 270(1532), 2457–2463. (link)
  2. GORDON, Deborah M.TedEd. Inside the and colony. Youtube. (link)
  3. Pratt, S. C., Sumpter, D. J., Mallon, E. B., & Franks, N. R. (2005). An agent-based model of collective nest choice by the ant Temnothorax albipennis. Animal Behaviour, 70(5), 1023–1036. (link)
  4. Kurzgesagt — In a Nutshell. Emergence — How Stupid Things Become Smart Together. Youtube. (link)
  5. Temnothorax albipennis. Wikipedia (link)

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Jay Hirota

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